Black Mirror: aonde podemos chegar
Na contramão de produções que nos fazem sentir medo de espíritos, serial killers ou monstros, Black Mirror, série britânica criada e escrita por Charlie Brooker, causa desconforto por abordar o lado obscuro de criaturas muito mais próximas: nós mesmos.
O seriado, que estreou em 2011 e recentemente lançou sua terceira temporada, possui episódios independentes entre si (porém, com ligações). De modo geral, ele aborda a evolução da tecnologia e como os seres humanos se portam diante de novas possibilidades, como dispositivos implantados no corpo para salvar nossas memórias, ou a chance de conviver novamente com um ente querido que já faleceu.
Não é de hoje que nos sentimos atraídos por produções que abordam temas semelhantes. Na década de 80, o seriado Twilight Zone (Além da Imaginação, no Brasil) fazia sucesso por retratar viagens no tempo e mundos paralelos.
De maneira engenhosa, Black Mirror nos faz refletir sobre o modo de vida atual e o rumo que a dependência à tecnologia pode tomar. Quase sem que a gente perceba, aborda também questões como racismo, homofobia e política.
Em alguns capítulos, é possível notar a crítica a um cenário bastante relacionável, como o episódio “15 milhões de méritos“, da primeira temporada. Ele retrata uma realidade em que os seres humanos precisam pedalar para gerar energia e dinheiro, que pode então ser gasto com acessórios ou atividades para um avatar de si mesmo, em um cenário virtual. Esta não deixa de ser uma situação familiar para quem dedica parte de seus dias a viver certo “personagem” que representa nas mídias sociais, muitas vezes mascarando a realidade para torná-la mais feliz do que é.
A grande parte dos episódios retrata a exposição e a dependência dos indivíduos à internet e às mídias sociais, e as trágicas consequências disso para uma sociedade volúvel, pautada na gratificação instantânea. A necessidade de aprovação é abordada também, assim como os pequenos prazeres que os personagens experimentam quando podem, mesmo que por um breve momento, “ser eles mesmos”.
Outro assunto pertinente levantado de maneira inteligente é a crueldade latente nas pessoas, que aflora quando há a oportunidade de agredir os outros através da internet. Ela é mostrada de maneira intensa em alguns episódios, sendo ocasionalmente fator decisivo para o destino dos personagens.
Além de histórias muito bem escritas e cenas bem produzidas, Black Mirror chama a atenção pela direção de fotografia. Na terceira temporada, por exemplo, as cenas e o contexto delas são essenciais para que a experiência do telespectador seja completa. O quarto episódio, “San Junipero“, consegue se posicionar claramente no tempo através da fotografia. Quando a história acontece no passado, os cenários são mais coloridos. Nas cenas do futuro, os tons mudam para metalizados, localizando rapidamente os personagens em outra realidade.
Seja pela produção ou pela fotografia, seja pelos enredos, o seriado é uma excelente maneira de refletir sobre o futuro das tecnologias, o comportamento humano diante das evoluções digitais e até onde somos capazes de chegar.
Leia também: “Só mais um episódio de Narcos.” Por que a Netflix faz tanto sucesso?